top of page
header.png
Nascido no Rio de Janeiro em 1932, João Filgueiras Lima, mais conhecido como Lelé, recebeu o título de arquiteto pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1955.

Dois anos depois, transferiu-se para Brasília, quando se iniciava a implantação do plano urbanístico concebido por Lucio Costa. Em Brasília, colaborou com Niemeyer, detalhando e construindo diversos edifícios, como o Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília, conhecido como Minhocão, além de ter projetado, sozinho, os “apartamentos da Colina” para professores da UnB.

A partir da década de 1960, a pesquisa projetual de Lelé esteve voltada ao tema da racionalização da arquitetura através da industrialização da construção. Neste período, viajou à União Soviética, Tchecoslováquia e Polônia para conhecer a tecnologia do concreto pré-moldado desenvolvida nestes países.

Em meados da década de 1970, elaborou os projetos de alguns dos principais edifícios do novo Centro Administrativo da Bahia, em Salvador, com destaque para a Igreja da Ascensão do Senhor, certamente uma das obras-primas da arquitetura religiosa brasileira moderna, e para as sedes das diversas secretarias de Estado, caracterizadas pela forma serpenteante com que se adequam à topografia do terreno e pela sofisticada solução estrutural em concreto pré-moldado associada a uma base em concreto protendido.

No final da década de 1970, Lelé criou, a pedido do então prefeito Mário Kertész, o Escritório Técnico de Projetos como parte da Companhia de Renovação Urbana de Salvador - Renurb, que desenvolveu projetos de equipamentos e mobiliário urbano em pré-fabricados de argamassa armada e de pré-fabricados de concreto como é o caso da principal estação de transporte coletivo de Salvador, a Estação da Lapa. Após curtas experiências análogas em Goiás e no Rio de Janeiro, Lelé se radicou definitivamente em Salvador na segunda metade dos anos 1980, quando, novamente a pedido de Kertész, agora em sua segunda gestão como Prefeito, criou e dirigiu o escritório de projetos e a usina da Fábrica de Equipamentos Comunitários - FAEC, projetando e construindo dezenas de equipamentos comunitários e mobiliário urbano em aço e argamassa armada, como escadas drenantes para as favelas, escolas, abrigos de ônibus e postos policiais, além das passarelas que ainda hoje marcam de forma indelével a paisagem urbana de Salvador. 

No mesmo período, projetou a nova sede da Prefeitura Municipal, erguida em apenas duas semanas na praça mais antiga de Salvador, ao lado do famoso Elevador Lacerda, principal cartão postal de Salvador; além de ter colaborado com a arquiteta Lina Bo Bardi na restauração de um conjunto de imóveis no Largo do Pelourinho (que hoje constituem a Casa do Benin) e na Ladeira da Misericórdia, como parte do programa de recuperação do Centro Histórico de Salvador coordenado por Lina.

No início da década de 1990, Lelé e o médico ortopedista Aloysio Campos da Paz criaram em Salvador o Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), encarregado dos projetos e da construção dos hospitais da Rede Sarah, voltados ao tratamento das doenças do aparelho locomotor. Os hospitais da Rede Sarah, construídos nas décadas seguintes em Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro, Belém e Macapá, foram concebidos e construídos com elementos em aço e argamassa armada fabricados no CTRS, em Salvador. Os projetos de Lelé para os hospitais da Rede Sarah apresentam um conjunto de soluções arquitetônicas que permitem que funcionem confortavelmente utilizando-se apenas da ventilação e da iluminação naturais, com exceção das salas de raio X e os centros cirúrgicos.

Nos últimos anos de sua vida, Lelé enfrentou duas grandes batalhas: o combate a um câncer em metástase e o desafio de iniciar uma nova fábrica de equipamentos sociais através do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat (IBTH), uma organização de interesse público criada por ele em 2009 em Salvador e que desenvolveu, dentre outros, os projetos do Memorial Darcy Ribeiro, em Brasília; do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, em Salvador; e do novo Mercado de São Miguel e da passarela de ligação entre o Centro Histórico de Salvador e a Arena Fonte Nova, também em Salvador.

Sempre focado no aperfeiçoamento dos processos de racionalização da arquitetura, através da utilização de elementos construtivos pré-fabricados, de modo a reduzir custos e agilizar a execução das obras, Lelé desenvolveu no IBTH, a pedido da Presidenta Dilma Rousseff, duas propostas-piloto para o programa de habitação de interesse social do Governo brasileiro, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Contrapondo-se à produção corrente deste programa, que pecava pela precariedade tecnológica, pela baixa qualidade arquitetônica e pelos longos prazos de execução, Lelé demonstrou que seria possível produzir arquitetura de alto nível a preços competitivos, através da criação de miniusinas com capacidade para produzir, em 45 dias, 40 apartamentos em aço e argamassa armada. Essas minifábricas seriam, em seguida, desmontadas e transportadas para novos locais. Infelizmente, a pressão das construtoras não permitiu que os projetos de Lelé para o MCMV fossem executados.

Infelizmente, Lelé faleceu em 2014, após lutar bravamente contra um câncer e contra uma falta de compreensão por parte dos gestores públicos brasileiros e da sociedade em geral sobre a importância de sua obra e do papel que a arquitetura deve desempenhar na qualificação da vida de toda a população. Perdemos um arquiteto brilhante, idealista, revolucionário e que era, ainda por cima, uma pessoa humilde e generosa, como apenas os grandes sabem ser.  

Sua obra conciliou, de forma irretocável e singular, quatro virtudes que raramente se associam na arquitetura. Em primeiro lugar, a preocupação social ao buscar erguer, com a economia de recursos e de tempo tão necessária em países com os desafios do Brasil, uma série de equipamentos voltados a melhorar as condições de vida de todos e, em especial, daqueles que passam por maiores dificuldades, seja pela escassez de recursos financeiros, seja por problemas de saúde. Em segundo lugar, a adequação ao clima tropical brasileiro, privilegiando o conforto ambiental a partir do controle da incidência direta do sol e do aproveitamento inteligente da ventilação natural. Em terceiro lugar, o compromisso ético de entender e defender que o projeto não passa de um meio para atingir um fim: a edificação materializada, a obra construída, que efetivamente pode cumprir uma destinação social. E em quarto e último lugar, a qualidade estética, na busca incessante da beleza arquitetônica, com clara influência da obra de Oscar Niemeyer.

Enfim, a trajetória e a conduta profissional de Lelé demonstraram, de forma paradigmática, o papel do arquiteto em agregar civilidade e urbanidade às nossas cidades, tornando-as mais humanas.  Em um momento em que a arquitetura do star system internacional privilegia a estética em detrimento da ética, a obra de Lelé honrou e dignificou a profissão do arquiteto, ao conciliar ambas.

O reconhecimento nacional e internacional da obra de Lelé se deu com o recebimento do Colar de Ouro (2000), maior comenda do IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil; com a Sala Especial que ocupou na Bienal Internacional de Veneza (2000); com os prêmios pelo conjunto da obra na IX Bienal Internacional de Buenos Aires (2001) e na III Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Urbanismo (2002); com os títulos de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (2003) e de Professor Emérito da Universidade de Brasília (2005); e com a Medalha de Ouro da FPAA – Federação Pan-Americana de Associações de Arquitetos (2012).

Essa exposição, cuidadosa e carinhosamente preparada por um grupo de pesquisadores vinculados à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA) e pesquisadores de outras universidades, vários deles seus ex-colaboradores, busca mostrar a sua importância para a construção da paisagem soteropolitana. Viva Lelé!

Nivaldo Andrade

Lelé se apresenta

bottom of page